A Menina Dança
“Quando cheguei, tudo, tudo, tudo, tudo estava virado.” A letra de A Menina Dança, sucesso dos Novos Baianos, percorreu minha mente ao admirar a espetacular bagunça que tomava o pequeno apartamento na Cidade Baixa, minha residência dali em diante. Já havia se esgotado o tempo regulamentar de ficar sob a asa da mamãe, disso eu tinha certeza. Ali começava o resto da minha vida: não era eu mesma que semanas antes gritava “independência ou morte!”, ao argumentar que se eu já conseguira juntar dinheiro suficiente para o combo luz-aluguel-e-água, era óbvio que já poderia me mudar da casa materna? Então vai, Catarina, que chegou tua hora!, me encorajei mentalmente com energia tal que até consegui levantar do sofá.
A empolgação diante do desconhecido sempre foi algo como combustível para mim. Até mesmo o desafio antes intimidante de pôr em ordem os cômodos abarrotados de meus pertences tornou-se a melhor maneira de extravasar a euforia ao pensar na rotina que construiria entre aquelas paredes. Logo, livros, cadeiras, mesas, panelas e pincéis já tinham endereço próprio na seção que me cabia do prediozinho amarelo. Resolvi deixar por último na arrumação as duas caixas azuis: elas continham o tesouro do vovô.
Antes de falecer, meu avô deixara um testamento de mentirinha onde explicava muito claramente que pertenceriam à mim sua coleção de discos e a vitrola verde. Reservei-lhes um espaço de destaque na sala da nova casa. Colocada a vitrola sobre a cômoda, abri a caixa maior para escolher um disco. Tomei o do topo e o posicionei no aparelho. Logo, a melodia doce encheu a saleta: “e se você fecha o olho/ a menina dança…”.
E dancei.
Autora: Valentina Pinheiro/Inspira
Foto: Pixabay