Aluna com paralisia cerebral defende trabalho de conclusão de curso em Biblioteconomia
Fernanda Moreira Rodrigues, 27 anos, obteve a aprovação com nota 10
O Curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) recebeu na manhã desta segunda-feira, 23, a defesa do trabalho de conclusão de curso de graduação intitulado “A Inclusão por meio da vivência na Universidade Federal do Rio Grande”, de Fernanda Moreira Rodrigues. A aluna de 27 anos possui paralisia cerebral e faz fisioterapia desde os 6 meses.
Com orientação da professora do curso de Biblioteconomia, Angélica Miranda, a tese em questão é um relato descritivo da trajetória escolar e acadêmica de Fernanda, desde antes da sua chegada à FURG, destacando o aspecto da inclusão dentro do ambiente escolar, e os desafios e fatores que a auxiliaram durante sua jornada.
A banca foi constituída pela professora orientadora de Fernanda e pelos professores Jarbas Greque Acosta e Márcia Carvalho Rodrigues, ambos do Instituto de Ciências Humanas e da Informação (Ichi). A monografia foi aprovada com nota 10.
“Fiquei extremamente feliz e orgulhosa de mim ao saber da nota 10 no meu TCC, passei por várias dificuldades durante a graduação e mesmo assim eu consegui”, destacou Fernanda.
Trajetória acadêmica
Em 2016, Fernanda realizou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), com o sonho de cursar Medicina. Para fazer a prova, a aluna contou com atendimento especial e suporte de uma monitora, fornecida pelo Ministério da Educação (MEC). Ao não obter uma nota possível de ingressar em Medicina, a discente optou pelo Curso de Biblioteconomia, que contava com apenas uma vaga reservada para pessoa com deficiência (PcD). Mesmo como suplente, a estudante compareceu ao local da matrícula e foi beneficiada pelo não comparecimento da titular da vaga. Assim, Fernanda ingressou na FURG.
Em sua apresentação de TCC, Fernanda destacou a acolhida e a inclusão dos colegas e professores com ela, bem como a sua percepção dos esforços dos professores para assegurar a compreensão do conteúdo, disponibilizando materiais impressos com as letras ampliadas, e ajudando-a sempre que solicitado.
Segundo a professora Angélica Miranda, o papel dos professores do curso, da Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Prae), do Programa de Apoio aos Estudantes com Necessidades Específicas (Paene) e do Núcleo de Estudos e Ações Inclusivas (Neai) foi fundamental para a acolhida de Fernanda na universidade.
“A FURG sempre abraçou a Fernanda, e se nós não fizemos mais é porque realmente não tínhamos condições no quesito tecnologias assistivas. Demos a ela a melhor formação que nós poderíamos dar. É isso que nos faz felizes; tenho muita alegria em fazer parte da FURG, uma universidade que dá oportunidades para alunos como a Fernanda”, reiterou a docente.
Ainda nesse sentido, logo que ingressou à FURG, a estudante e a sua família receberam orientações do Neai sobre as ferramentas de acessibilidade que o Núcleo fornecia, bem como explicações dos direitos garantidos por lei para todas as pessoas com deficiência, como, por exemplo, o de ter uma hora a mais para concluir as provas, e a possibilidade de realizá-las no espaço do Neai. Além disso, sempre que necessário, o órgão disponibilizava um membro da equipe para auxiliar a aluna na realização das avaliações e atividades. O profissional lia as questões objetivas e a discente respondia qual alternativa ela acreditava ser a correta.
Outro auxílio recebido por Fernanda veio das assistentes sociais da Prae, e das responsáveis pelo Paene, que entraram em contato com a mãe da estudante, a fim de apresentar os benefícios que a universidade oferecia, para garantir a acessibilidade, a inclusão e a permanência da discente na instituição ao longo da graduação.
“Nós podemos dizer que, se não fossem as políticas de ações afirmativas da universidade, talvez ela não tivesse conseguido fazer um curso superior”, comenta Angélica.
Graças a essas ações afirmativas, a estudante conseguiu isenção no valor da alimentação nos Restaurantes Universitários (RUs) do Campus, e monitores para o auxílio nas demandas e durante as aulas, acessibilizando o material, e orientando a aluna em suas tarefas. Os monitores foram escolhidos conforme as suas necessidades e com os/as alunos(as) que mais se encaixassem no perfil.
“Não foi fácil ter que depender de transporte público com acesso para cadeirantes para conseguir chegar no horário das aulas e, mesmo assim, eu sempre estava lá; precisei de auxílio de monitores para conseguir chegar até aqui e nem sempre tive sorte, mas conheci pessoas incríveis no meio do caminho que me fizeram muito feliz e se interessaram em realmente me ajudar a tornar a graduação um pouco mais fácil”, explica a discente.
Durante toda a sua graduação, Fernanda também teve o apoio da sua família, entre idas e vindas ao campus. De acordo com a sua orientadora, a aluna era a primeira a chegar e a última a sair da universidade.
“Eu destaco na trajetória dela uma pessoa fundamental: a sua mãe, que ao longo de todo o tempo vinha com ela incessantemente todos os dias. A irmã também veio muitas vezes, mas, por ser também estudante da FURG, nem sempre conseguia, mas a Dona Vera não deixou de vir um dia, sempre com a Fernanda, sempre do lado dela e com bom humor. Um grande exemplo de mãe por sempre estar do lado da Fernanda em todos os momentos”, lembra a docente.
Monitorias e construção do TCC
Com o intuito de minimizar as dificuldades de Fernanda, bem como facilitar a inclusão da discente na universidade, a Paene disponibiliza de um monitor de sala de aula e um monitor de ambiente, ou seja, que acompanha e auxilia nas atividades externas. Uma dessas monitoras que acompanhou Fernanda ao longo de quase toda a graduação foi a formanda em Biblioteconomia, Mariana Maciel, que atua como bolsista monitora de ambiente desde 2018. Segundo ela, todas as atividades das disciplinas que continham demandas de leitura e escrita seguiam um processo. “Utilizávamos o recurso do Adobe Reader para ler em voz alta, para a Fernanda escutar e compreender melhor. Depois, eu fazia perguntas para ela sobre o texto, anotava as frases que ela me respondia, e eu adequava as frases à linguagem acadêmica”, explica.
De acordo com a bolsista, durante a monografia o processo foi o mesmo para o desenvolvimento do referencial teórico, que englobou a Educação Inclusiva e a sua importância. Inicialmente, a ideia era abordar somente as vivências de Fernanda na FURG, mas concluíram que ficaria incompleto se não fosse abordada a trajetória escolar também. Dessa forma, Fernanda e Vera encontravam-se com Mariana em sua casa e contavam sobre a sua vida escolar, e a bolsista anotava e fazia perguntas.
“A temática do TCC da Fernanda é muito importante, não só para contribuir com as discussões da inclusão, mas também para dar visibilidade à FURG, ao Paene e ao Neai. Por se tratar de um relato de experiência, é possível compreender melhor sobre a acessibilidade e a inclusão oferecida pela FURG e pelos programas mencionados, sob a ótica de uma pessoa PcD e refletir sobre a importância da Educação Inclusiva”, destaca a discente.
A estudante também auxiliou na constituição da estrutura do TCC e na adequação às normas ABNT. Por ter tido esse contato próximo até mesmo na etapa final da graduação da Fernanda, ela considera esse momento como gratificante. “De 2018 até agora, passamos muitos momentos juntas. Me deixa muito feliz vê-la empolgada para a formatura”, finaliza Mariana.
No final da graduação, em função do estágio obrigatório e do TCC, a Fernanda recebeu mais uma monitora de ambiente para dividir as tarefas com Mariana: Larissa dos Santos Urquia, discente do 5º semestre de Pedagogia. A contribuição da aluna no TCC foi o auxílio na produção dos slides de apresentação, e por conta da dificuldade de fala de Fernanda, a defesa foi feita por vídeo, que ainda será alterado para envio do TCC à Biblioteca da FURG.
“A orientação foi para que a gente gravasse um vídeo com ela falando, e que esse vídeo fosse legendado para que outras pessoas pudessem entender melhor a fala dela. Essa construção foi minha e da Fernanda. Nós nos encontramos algumas vezes para gravar e produzir um roteiro”, explica a bolsista da Paene.
Outra etapa da produção da monografia foi a visitação nos prédios que Fernanda mais frequentou ao longo da sua graduação. Para isso, ela contou com o auxílio da sua mãe. O primeiro prédio visitado foi o do Ichi. Lá, a estudante verificou que no andar térreo havia acesso de cadeirantes e banheiro para cadeirantes, mas, no interior do prédio não tinha elevadores para o acesso ao segundo andar, apenas escadas.
O segundo prédio visitado foi o da Psicologia, onde se localiza o Neai, fundamental na trajetória da discente. No local, Fernanda constatou os mesmos aspectos da visitação anterior. Já no terceiro prédio, no Pavilhão 3, foi observado que ele se classificava como um prédio acessível, por possuir rampas, elevador e banheiros adaptados, o que facilitava a locomoção.
O quarto prédio visitado foi o da Biblioteca Central, onde a estudante fez o seu estágio curricular obrigatório. Fernanda constatou que havia porta automática, rampa de acesso, computadores e sala de estudos preferencial para PcD, sendo então um local acessível.
Por fim, o último prédio visitado foi o Pavilhão 4, onde a mesma estudou por três anos. Na época em que ela frequentava, as aulas no local costumavam ser agendadas para o andar de cima, mas, por não ter elevador, eram transferidas para o térreo. Atualmente, o Pavilhão 4 conta com um elevador e se tornou acessível.
Logo, como conclusão do TCC, Fernanda reitera que o propósito do relato descritivo da sua vivência na FURG é incentivar o ingresso de outros PcDs na universidade. A aluna também destaca que a sua experiência acadêmica foi mais positiva em comparação com o Ensino Fundamental e Ensino Médio, pois, a FURG disponibilizou monitores com uma espera menor, possui instalações mais acessíveis, e foi mais inclusiva.
“O suporte que recebi das unidades, tanto do Neai quanto do Paene, foram muito importantes para a minha formação”, finaliza a discente.
Secom FURG
Foto: José Bruno Bratti/Secom FURG