Escombros no Quarto 23
A passividade do edredom e das cortinas brancas irritava Maíra profundamente. Aquele cenário limpo e pacífico em nada combinava com a situação que a trouxera até ali.
A vida em São Paulo parecia cada vez mais aquela que sonhara um dia, ainda adolescente, escrevendo em seu diário sobre o futuro glamouroso que desejava alcançar. Maíra agenciava modelos em uma pequena empresa e organizava editoriais para revistas de todo o país. O jovem Cássio, um de seus modelos, conquistava cada vez mais espaço e atenção entre passarelas e photoshoots, o que deixou a agente cada vez mais empolgada com os trabalhos que o rapaz conseguiria…
… até vê-lo beijando Felipe, seu excelentíssimo marido, após um ensaio no estúdio que o fotógrafo construíra na casa em que morava com a agente.
Não havia como permanecer sob o teto do cenário da traição – o absurdo, não conseguir ficar dentro da casa construída com o seu esforço e suor! O jeito foi recorrer a um hotel quatro estrelas próximo ao trabalho (ela acabara de assistir seu casamento desmanchar, ora, merecia esse luxo). E naquela enorme cama, larga e confortável, Maíra deitou-se sozinha pela primeira vez em oito anos.
O vasto espaço em branco do quarto, agora, já fazia a mulher relaxar. Pôde até rir da situação – “ah, minha tão grande sorte!” – e levantar-se da cama para explorar seus aposentos. Avistou um rádio antigo que, por curiosidade, ou impulso, ligou.
“So, so what? I’m still a rock star, I got my rock moves, and I don’t need you…”
No meio dos escombros, Maíra dançou como nunca.
Autora: Valentina Pinheiro/Inspira
Foto: Pixabay