Lorena e o vazio
Chegou até mim um print da prova de uma menininha chamada Lorena, suposta aluna do quarto do fundamental. No print, uma resposta de Lorena se destaca no universo em expansão do vazio opinativo da internet. Dizia assim a Lorena:
“Árvores são poemas que a Terra escreve para o céu.
Nós a derrubamos e as transformamos em papel para registrar nosso vazio.”
Rapidamente, compartilhei com diversos amigos nas redes sociais, e todos ficaram pasmos com a profundidade do poeminha da menina. Recebia elogios e, se sabe dos compartilhamentos, deve estar feliz da vida a Lorena com a repercussão de sua resposta.
Admirar a desenvoltura reflexiva e poética da Lorena eu também admirei. Mas a palavra “vazio” não deveria estar ali, significando o vazio da percepção existencial. Não em uma garotinha de 11 anos. Quando eu contava essa idade mal sabia do que se tratava a vida, e minha obrigação era ir e voltar do colégio, tendo o resto do dia para viver na imaginação colorida e heroico dos anos oitenta.
Me pergunto de onde Lorena tirou esse pensamento. Por mais cringe que possa parecer, eu depositaria a culpa nas redes sociais e nos responsáveis.
Tempos atrás, minha filha baixou o Tik Tok. Passados alguns dias, fui dar uma bizolhada no conteúdo consumido pela pequena (8 anos) enquanto passava fins de noite jogada na cama. Tomei aquele susto. As dancinhas, as insinuações, os papos inapropriados para a faixa etária… Como eu era avesso ao aplicativo, desconhecia o teor. Na mesma hora mandei deletar, mesmo me sentindo muito careta e um pouco alarmista.
O argumento da caçula foi o de sempre: “todas as minhas amiguinhas têm.” “Mas tu não é todo mundo”, respondi, meio memético, e sustentei a proibição, que dura até hoje. Depois, fiz uma conta e pude comprovar minhas suspeitas: é inapropriadíssimo para ela. Não apenas pelo conteúdo adulto/erótico, mas também por causa de informações pesadas e desconcertantes. Relatos de crimes, reflexões filosóficas, brigas políticas, desabafos profundos, alguns beirando aviso de suicídio, e daí pra baixo. Imagina o estrago na cabeça de uma jovenzinha!
O argumento da filha me fazia pensar sobre a quantidade de crianças vendo tudo isso. As amiguinhas, as mesmas que brincam e conversam tardes inteiras com ela, expostas a profundidades insuportáveis até para adultos. Tirando conclusões, não há isenção da culpa para os responsáveis permissivos dessas pequenas. Posso considerar mal informados. Mesmo assim, uma rápida olhadela nos feeds seria suficiente para a proibição. Sem contar as datas de nascimento falsas cadastradas para permitir o acesso, ou o empréstimo do e-mail do pai, da mãe, dos irmãos; o plano de internet, a senha do wi-fi. O rastro dos responsáveis está por toda parte.
Quem trabalha com adolescentes, como no meu caso, já percebeu o quão desmotivados e profundos estão. Nada os agrada, pouca coisa os motiva, nunca se satisfazem e tendem a se enxergarem como os mais feios e desinteressantes de seu meio. Onde mais esse tipo de pensamento pode ser moldado além do ambiente narcisista das redes? Imaginemos, então, os pequenos, daqui a umas seis ou oito primaveras, no auge da puberdade, tendo a mente moldada por anos, eu disse “anos” dessa influência inapropriada.
Lorena, em sua tenra idade, reconhece o vazio da existência, a falta de propósito do viver. Duvido uma professora em sã consciência ter proposto tal reflexão em aula. Duvido menos, mas duvido, um responsável ter olhado para a filha e dito: a vida é vazia. Nessa fase, Lorena deveria ver o mundo colorido, sonhar com um futuro de realizações, querendo ocupar uma profissão hoje, outra amanhã, tendo todas o mesmo valor. Pensar a vida como se fosse eterna e cheia de significado. Talvez ela não entenda o “vazio” agora e o poeminha seja simples exercício. Mas quando Lorena der de cara com um problema em sua vidinha, em vez de um estofo colorido e fofo para preencher seu coração, o vazio estará na fila para dar significado. E até onde Lorena vai aguentar o vazio?
Pode ser forçada minha tese: as redes sociais promovem desalojamento emocional precoce em mentes jovens. Convenhamos, é forçada mesmo. As redes sociais desalojam a mente de pessoas em todas as idades.
Lorena, a vida é linda. Esse negócio de vazio é fome.
Rody Cáceres
Professor e Escritor dos livros: “A Barata Pacifista” e “O Curandeiro“.
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Foto: Pixabay