Memórias da “Velha Infância” na antiga Rio Grande
O tempo caminhava mais lento …
Quando criança, eu acordava com o soar do apito do trem que passava perto de minha casa …
Quando criança, eu caminhava sobre os velhos trilhos de ferro por onde passava esse mesmo trem …
Quando criança, eu brincava na rua de areia, puxava uma latinha presa em arames e cordões como se fosse um carrinho, e jogava bolinha de gude, sempre sob a vigilância e cuidado dos adultos …
Quando criança, todas as tardinhas eu corria da saída da escola para ver o Sítio do Pica-Pau Amarelo …
O tempo caminhava mais lento …
Quando criança, eu ia ao Cine Lido com meu pai e passeávamos de DATC …
Quando criança, eu ia na venda perto de casa e comprava salame, pão, arroz, frutas, uma ou outra balinha de banana ou “tijolinho”, e as compras eram anotadas na caderneta do Armazém do Seu Artur …
Quando criança, eu, meus pais e minhas irmãs entoávamos serenatas nas quadras e ruas do bairro Hidráulica … pai na gaita, irmãs nos violões, eu na gaitinha de boca improvisada com um plástico envolto em um pente, mãe na voz, e todos no coral …
O tempo caminhava mais lento …
Quando criança, uma vez por mês, íamos de ônibus na lancheria Santo Antonio (no dia que pai recebia o salário), e enquanto as pessoas comiam nos carros, nós apreciávamos o lanche sentados ao meio-fio, e voltávamos caminhando para nossa casa pra economizar no ônibus …
Quando criança, via meu pai, depois do trabalho e fins-de-semana, na salinha da casa, dar injeções nas pessoas, o povo levava a seringa e a medicação para meu pai aplicar …
Quando criança, eu ia com minha mãe nas reuniões dos clubes de mães das mulheres pobres nas vilas e nas feirinhas que elas organizavam…
Quando criança … eu brincava com meus amigos nos canteiros da Buarque de Macedo, e as antenas de energia elétrica eram para mim a Torre Eiffel … Nestes canteiros, nas manhãs de sábado instalava-se a feira … cheiros, bergamota, feijão, camarão, tomates, sotaques, cores, peixe, cebola … pessoas …
O tempo caminhava mais lento …
Quando criança, agachado sob a mesa da cozinha, eu sentia a atmosfera e perfume do álcool que exalava do mimeógrafo que minhas irmãs utilizavam para preparar aulas …
Quando criança, eu tomava banho de chuva com minha mãe no quintal da casa …
Quando criança, nos armazéns e mercadinhos, os grãos eram expostos em imensos sacos de tecido com a boca aberta (fardos de 100, 200 quilos) e os 100 gramas, meio quilo de qualquer coisa eram pesados em balanças manuais e embrulhados em papel. Essas folhas de papel ficavam no balcão de madeira (ao lado do baleiro de vidro), sob o peso de um ferro…
Ainda sou criança …
Daniel Porciuncula Prado – Músico, Historiador e Pró-Reitor de Extensão e Cultura da FURG
Foto: Pixabay