O menino e o carrossel
Meu filho, houve um tempo em que sonhávamos. Fazia sol mesmo quando chovia, brincávamos de faz-de-conta e nem sabíamos. Para nós era tudo verdade. E a verdade, menino, era coisa translúcida, furta-cor. Sua natureza diáfana permitia que a moldássemos de acordo com o que achávamos que sabíamos do mundo, mas facilmente ela retornava à forma original (isto é, quando se sabia a sua forma original- geralmente a brincadeira avançava até que não soubéssemos diferir faz-de-conta de faz-de-fato no final. Afinal, será que alguém sabe?).
Passaram os anos, pequeno, mas naquela época os anos passavam feito carrossel, então não importava se nossos sapatos subitamente não cabiam mais, pois logo chegaria um par que caberia e tudo estaria bem. Menino, juro que houve um tempo em que se adaptar às nossas novas alturas e séries escolares não era preocupação de forma alguma: era o carrossel girando e simplesmente revelando nova face do parque. E todas, meu filho, eram cheias de cor e brilho e som.
Em algum momento, meu filho, carrosséis viram montanhas-russas, mas por pouco tempo são emocionantes. Eventualmente ficamos atordoados, assustados, meio trêmulos. E ao descer do passeio não há muito o que fazer, além de pôr-se de joelhos para recobrar o ar e (dores do trauma) nunca mais retornar ao vaivém conturbado da “adultice”.
Filho. Tu, hoje, exploras um mundo de cores, leve feito pluma. Um dia, a montanha-russa vai te arrebatar, como fez comigo. Mas prometo ser, pra ti, eterno carrossel. E para esta velha, serás meu eterno menino.
Valentina Pinheiro – Inspira
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