Ordem de Despejo
Decreto aqui a tua expulsão definitiva e irredutível do meu coração. Desde o início da tua estadia, tua presença só causou bagunça e desordem e dor de cabeça (ou seria de cotovelo?). Fora daqui, que ainda tive a bondade de não te colocar para fora à vassouradas! E vê se deixas a chave em cima da mesa da cozinha, mas não sem antes tirar aquele chaveiro ridículo. Esse lugar me pertence e por aqui só vai ficar o que é meu. Nada teu jamais chegou perto de estar sob meu poder.
Apesar de a casa pertencer-me, foste tu que ditaste as normas de convivência. De visitante, passaste a inquilino mais que abusado, daqueles que trocam fechaduras, pintam paredes, jogam fora meia dúzia de livros e botam outra meia dúzia para dentro. A insanidade de te abrigar, causada pela névoa com a qual teu perfume preenche o ambiente, já se dissipou. Os vizinhos reclamam: hora de esvaziar o imóvel.
Eu só espero que, depois de despejado, tu mudes de cidade. Melhor: de país! Que não deixes rastro da tua passagem. Porque, se tu lembrares que a chave reserva fica escondida dentro do vaso de plantas, ou que bastam três pancadinhas nos pontos certos da janela da frente para abrir o trinco e entrar por ali mesmo, é bem capaz que tu voltes para cá. Pior ainda: se passares na frente do meu coração, é bem capaz que eu te convide, novamente, a entrar.
Autora: Valentina Pinheiro/Inspira
Foto: Pixabay