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Romeu da Cohab 2

Fui uma criança volúvel. Digo isso por conta de meu hábito de me apaixonar por uma menina a cada série. Eu não conseguia impedir, era um romantismo forte demais. Por vezes, o amor durava o primeiro semestre, daí eu trocava para a próxima que me olhasse um pouco diferente. De todos os platonismos da infância, nenhum se salvou, e as memórias me fazem rir em silêncio – pois se a esposa perguntar o motivo da risada, não posso dizer que penso em outras, mesmo que as outras nunca tenham sido alguma.

O primeiro amor deve ter sido na primeira série. Acho que eu obedeci, sem querer, uma ordem de amores baseada nas séries do Ensino Fundamental. Lembro vagamente de ter uma quedinha pela Primeira Prenda do colégio. Tenho até foto com ela. Estranhamente, é um vinte de setembro e estou vestido de caipira, com o sol na cara, olhinhos apertados, perto da árvore gigante na qual eu subia para lanchar no recreio. Ficou nisso: uma foto. Não passava na cabeça um beijo que fosse.

No segundo ano foi quando me perdi gravemente. Caí de amores por um menina de belíssimas íris verdes. Por uns dias ela até foi minha namorada. Claro, sem beijos, pois éramos muito jovens. Só que apareceu um garoto chamado Deivid (ele já estava lá –  o “apareceu” foi para dar efeito) e a conquistou com bagunça e despojamento ausentes em mim. Um coraçãozinho amarelo com uma declaração, que me custou horas de trabalho, foi arremessado numa poça de chuva na frente de minha casa. No final do ano, a amada foi embora, e eu fiquei com essa rejeição.

Mas o pior aconteceu no terceirinho. A Julieta da vez parecia querer algo comigo. Com vergonha, falei de meus sentimentos para um amigo, e o amigo levou até ela o recado. Naquele tempo, as professoras deixavam as turmas sozinhas e iam ao banheiro. Foi quando tomei coragem e me levantei, peito estufado e cara de paixão. Declarei em tom quase alto. A guria deu um pulo, sorriu largamente e me disse, mas não só para mim, para toda turma ouvir: “Nunca que eu vou namorar com uma bichinha como tu!” Tenho a cena na memória até hoje.

Meio traumatizado, deixei passar o quarto, o quinto e no sexto me voltou o Romeu. Tentei uma menina mais liberal, digamos assim. Acoquei atrás de um arbusto e a vi se aproximando. Quando suas canelas pareciam bem perto, dei um salto e gritei “oi!”. Ela desviou de mim e nunca mais olhou na minha cara.

Esse ano, o sexto, foi tão louco que o colégio tinha dois pares de gêmeas. E eu não sabia o nome delas. Gente, desculpa, mas um dos pares não dava match comigo. Mas o outro, dava. Falei para um amigo sobre a beleza das gêmeas que davam match e o desgraçado foi lá contar. Traição fraternal era comum.  Mas o animal contou para o par de gêmeas errado! Passei a ser perseguido por uma delas, pobre menina, toda confiante em um possível romance entre nós. Fui obrigado a dispensar. A gêmea que não dava match andava chorando pelos cantos.

No sétimo não me veio nada. Fiz o oitavo uma vez. Rodei bem rodado. Daí chegou o fatídico segundo oitavo ano, o ano mais importante de minha existência até agora. As gurias já eram quase mulheres. E uma delas era a mais bonita do colégio inteiro. E tinha também outra, casualmente sentada atrás de mim. A bonitona nem me olhava. Mas a colega de trás parecia querer algo comigo. O que eu fiz? Nada. Já tinha perdido a fé no amor e nem era da Geração Z. Um dia, enquanto pintávamos um dinossauro desenhado por um amigo na parede da sala, alguém veio me dizer que a bonitona queria ter comigo no último pavilhão do colégio. Fui correndo, achando que ali tinha jogo. Era trote. Esperei vário minutos lá. Na volta, eu era a piada da turma. Fiquei na minha. Esperei uma boa oportunidade e tasquei um rolo de tinta branca dos pés à cabeça da guria. Foi glorioso. E sabe a menina que sentava atrás? Ela gostava mesmo de mim. Descobri anos depois. Continuei fazendo nada.

Nesse mesmo ano, uma garotinha excessivamente tímida, daquelas que sentam na frente, não falam, não vão ao banheiro e a mãe ainda busca no colégio, me chamou para contar uma piada. Não dei muita bola para o que ela disse. Se quer pensei na possibilidade. Porém, anos depois, no Ensino Médio, já no terceirão do médio, a tal garotinha da piada passou a ligar para minha casa, ficando horas a fio de papo comigo, me negando a revelação da identidade. Sem muito custo, pois ela foi até minha casa se revelar (eu evadia nessa época), descobri quem era. Namoramos nove meses escondidos e nos separamos. Dez anos depois, nos reencontramos em uma esquina e, bem, deu match. No dia treze de Julho deste ano (2022) faremos treze anos juntos. É um genuíno “amor da vida”. Nossa história virou até um livro, meu primeiro romance, intitulado “Nunca vou te deixar.” Além de homenageá-la com o livro e com este pândego textinho, aproveito o espaço para dizer às que nunca me quiseram: vocês não têm um livro para chamar de meu. Nem poemas, nem músicas. Me vinguei bem hoje.

Nunca mexa com um escritor.

Ah, no jardim de infância eu também me apaixonei. Como demonstração de afeto, joguei tinta guache na guria. Ela nunca mais me olhou na cara.

Rody Cáceres

Professor e Escritor dos livros: “A Barata Pacifista” e “O Curandeiro“.

Siga no Instagram: @rodycaceresescritor

Foto: Pixabay

Um comentário sobre “Romeu da Cohab 2

  • Amei meus Parabéns filho.
    Só poderias mencionar que deste treze anos, com a namoradinha de escola, vocês tem 2 preciosidades que são meus netos.

    Resposta

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