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“São equívocos que nós estamos presenciando”, avalia reitoria da FURG

Em entrevista, reitora e vice-reitor abordam o bloqueio de 30% do orçamento das universidades federais
A decisão do governo federal de bloquear o orçamento de 30% de três universidades federais, depois estendida a todas as instituições federais de ensino superior, foi recebida com preocupação pela FURG. Na última sexta, 3, a universidade se manifestou por meio de uma nota pública. Como o bloqueio atinge diversos setores, na universidade e fora dela, a reitora Cleuza Sobral Dias e o vice-reitor Danilo Giroldo explicam, em entrevista à Secretaria de Comunicação (Secom) da FURG, o impacto do corte e as ações planejadas pela universidade para manter seu funcionamento. Os gestores também avaliam a decisão como um equívoco e lembram que, ao comemorar 50 anos, a FURG mostra-se indissociável da comunidade, com importância que vai bem além dos muros da universidade. Confira:

Secom – O bloqueio de 30% no orçamento das universidades federais é um assunto que tem repercutido em todo o país. Para a FURG, o que significa?

Cleuza Sobral Dias – Primeiramente, é fundamental entender a diferença entre contingenciamento e bloqueio, que são as duas situações que estamos vivenciando. O contingenciamento ocorre quando uma parte do orçamento não está disponível para utilização da universidade, mas não foi retirada do orçamento. O recurso está ali disponível, a universidade está contando com esse orçamento e o Ministério da Educação vai liberando conforme autorizações específicas, ou conforme a própria condição econômica do momento.

Já o bloqueio ocorre quando um recurso é retirado do orçamento da universidade. Para a FURG, o atual bloqueio significa 36% do orçamento do custeio comprometido, que é aquele usado para a manutenção da universidade com, por exemplo, todos os serviços terceirizados, limpeza, vigilância, portaria, motoristas, jardinagem, manutenção predial, energia, luz, telefonia, combustível. Uma parte do custeio também é destinada a bolsas de ensino, pesquisa e extensão e ao complemento da assistência estudantil.

O bloqueio também incide sobre o capital, ou seja, aquilo que podemos usar para obras e investimentos. Desses recursos, 30% estão bloqueados.

Danilo Giroldo – As duas figuras estão valendo agora, contingenciamento e bloqueio. Do nosso orçamento de custeio, só 40% estão liberados; 60% estão contingenciados. Do capital, só 10% estão liberados para investimentos no ano todo e sobre isso ainda incidiu o bloqueio de 30%. Então, são dois movimentos que buscamos reverter: o descontingenciamento do orçamento e o cancelamento do bloqueio.

Embora tenha havido cortes em anos passados, eles não incidiram no orçamento da universidade. O MEC vinha absorvendo esses cortes na própria estrutura, nos órgãos que são vinculados, no sistema de regulação, na Capes, enfim, e não no orçamento das universidades. Já o contingenciamento é mais comum e estamos acostumados a trabalhar desta forma.

Na década de 90, havia um orçamento menor, mas a estrutura das universidades também era muito menor. Com a expansão vivenciada nos últimos anos, em que passamos de 4 mil estudantes em 2004 para quase 12 mil em 2019, a universidade deu uma resposta à democratização do acesso ao ensino superior, atendendo a demandas da sociedade, mas isso elevou o nível de custeio necessário à manutenção. Se há uma redução drástica em pouco tempo, o impacto é muito severo. Essa é a situação que estamos vivendo hoje.

Cleuza Sobral Dias – Nós podemos trabalhar com dois níveis de impacto. Um é o impacto dentro da universidade, para a manutenção das atividades de ensino, pesquisa, extensão, assistência estudantil; mas há também o impacto externo, porque essa redução com o bloqueio vai repercutir também no município, quando vamos ter que reduzir serviços de apoio, ou seja, os serviços prestados por empresas contratadas. Qualquer redução que tenha impacto interno tem também impacto externo na economia do município.

Secom – E aí para manter a estrutura da universidade funcionando, com esse impacto tão significativo, o que fazer?

Cleuza Sobral Dias – Como nosso orçamento de 2019 já não atendia nossa demanda anual, nós já estávamos fazendo estudos de redução de despesas. É claro que agora se acentuou muito mais. Então uma das alternativas é a redução desses serviços de apoio, o que é muito sério, mas nós já estamos fazendo. O escalonamento de limpezas diárias e semanais, a vigilância, todos estão sendo alterados, reduzindo os serviços. Nós estamos estudando também a possibilidade de reversão do corte das bolsas de apoio de ensino, pesquisa e extensão, que são fundamentais, mas o impacto haverá, não há outra forma.

Danilo Giroldo – Tudo isso passa por uma revisão dos nossos contratos sobre os quais já estamos fazendo um estudo. Os contratos precisam passar por uma redefinição, uma renegociação, para tentar alcançar o percentual do bloqueio, mas há custos que não são negociáveis, como água e luz.

Secom – Com toda esta situação é normal as pessoas ficarem aflitas. Para os estudantes que estão na FURG, dá para garantir que eles terão aula até o final do ano, que a universidade vai conseguir manter suas atividades?

Danilo Giroldo – Na verdade, se o contingenciamento e o bloqueio continuarem da forma como estão agora, é muito difícil manter a universidade funcionando. É preciso garantir pelo menos o descontingenciamento. Mesmo assim, o que vai acontecer, se você tiver todo o recurso descontingenciado e continuar incidindo esse bloqueio de 30%? A universidade vai entrar em déficit no final do ano e não vai conseguir honrar seus contratos e compromissos. E como eu disse, existem coisas que não são negociáveis. Existem contratos que não podem ser encerrados.

Cleuza Sobral Dias – O que vemos é certo equilíbrio até o final deste semestre, com a redução de despesas que nós já vínhamos fazendo. Mas o segundo semestre é muito preocupante. É claro que nós, como gestores, vamos fazer tudo o que for possível para manter as atividades em funcionamento, inclusive questionando o MEC. A diretoria da Andifes  tem audiência com o ministro da Educação no próximo dia 16 e esse é um assunto da pauta. Também temos uma Frente Parlamentar em defesa das universidades federais  que foi relançada agora em abril. Estamos também com o movimento aqui na nossa bancada gaúcha, pois nós precisamos do apoio dos deputados e, fundamentalmente, da sociedade. Como o orçamento é aprovado no Congresso, é importante que nós tenhamos os parlamentares conosco neste grande desafio. Então nossa expectativa é que esse bloqueio possa ser revisto, porque ele é muito sério.

Em relação ao Hospital Universitário, vale lembrar que o orçamento é separado do orçamento da universidade. Então, até o momento, não houve anúncio de nenhum tipo de bloqueio que impacte o HU.

Secom – Como a universidade recebe essa informação do bloqueio, vinda do Ministério da Educação, justamente o órgão que trata da política nacional de educação – e com o aval da presidência?

Cleuza Sobral Dias – Nós entendemos que é um equívoco esse bloqueio. Nós sabemos que as universidades federais são responsáveis por mais de 90% da pesquisa no país. Há um impacto grande no desenvolvimento de todo o país na qualificação, formação de pessoas, melhoria da qualidade de vida. Ao mesmo tempo, também é um equívoco tentar fazer uma comparação dos custos de um nível e de outro de ensino porque todos juntos é que compõem a educação pública brasileira, fundamental para o país. Dentre os equívocos que estamos destacando, um deles é tentar dizer que Filosofia, Sociologia ou Antropologia são menos importantes. As Ciências Humanas são tão antigas quanto a História da Humanidade e é com base em seus conceitos e teorias que se desenvolveram muitas das ciências que hoje conhecemos. Para além desse dado histórico, precisamos lembrar que a área das Humanidades abarca a formação de professores, os quais irão atuar na Educação Básica. Se percebemos fragilidade nos níveis mais elementares da Educação, então, no nosso entendimento, precisaríamos de maior investimento e valorização dos cursos de formação de professores, e não o contrário. Mas o que estamos presenciando são equívocos. A própria manifestação do termo “balbúrdia” na universidade: o que é isso? A universidade comporta manifestações sociais em várias linhas de pensamento, de diversas perspectivas teóricas, sociológicas ou de visão de mundo. Até porque é justamente por isso que ela é uma universidade: o espaço privilegiado para o convívio saudável da diversidade de pensamentos, de ideias e de teorias acerca do ser humano, da natureza, do mundo e das relações sociais. Todos os movimentos que existem na universidade são importantes para a construção do conhecimento. O que não se pode é isolar fatos específicos, divulgados de forma descontextualizada, que acontecem num determinado momento, em uma determinada área, e usar isso como se fosse o padrão de uma postura de balbúrdia na universidade. Essa não é a realidade das universidades brasileiras.

Danilo Giroldo – O Brasil é um país cujo percentual de pesquisa e inovação no setor privado, principalmente no setor produtivo, é muito baixo. A extensa maioria da produção científica, da inovação, do desenvolvimento tecnológico, na verdade, é concentrada na universidade pública. Isso é diferente em outros países. Então se você estrangula esse sistema, você fica praticamente sem ciência. Recortar a universidade do seu todo, como se aqui fosse um lugar onde só ocorressem manifestações, ou só se politizasse, ou só se ideologizasse, é um erro. Na verdade, é uma falta de percepção da realidade. A universidade é muito mais do que isso, ela é plural e diversa e aí é que está a sua força. Temos a expectativa de que o governo possa perceber esses equívocos através do diálogo com as instituições de ensino. A discussão é importante para que não se retroceda tanto assim no debate, que já é extenso, dos reais problemas da universidade e da educação brasileira. Em todos os níveis de ensino há muito ainda o que fazer. Esperamos de um governo novo que ele possa se concentrar nesses problemas e estabelecer prioridades para a educação. Se formos refazer discussões e diagnósticos relacionados à educação que já foram feitos e amplamente discutidos, é o país que perde. Então, esperamos que o governo reveja esses equívocos e acerte no encaminhamento dos reais problemas da educação, que são muitos.

Cleuza Sobral Dias – Também não é possível se colocar em questão ou em dúvida tudo o que foi feito de investimento financeiro na educação até agora. Não podemos  aceitar que chegue um governo e, só porque é novo, passe a desconfiar de tudo o que foi feito antes disso. Por exemplo, levantar dúvidas sobre os recursos financeiros não terem sido bem gastos, ou que as universidades não utilizaram adequadamente os recursos, ou que os contratos não foram bem feitos, colocando em suspeição as contas das universidades de forma leviana. As universidades são entes públicos que são altamente monitorados e auditados pelos órgãos competentes. Tudo o que a universidade faz – um contrato ou uma licitação – passa por procuradorias federais, pelo olhar jurídico de um procurador, por uma auditoria do Tribunal de Contas da União. Quando se fala em autonomia das universidades, não é como muitas pessoas pensam, de que o gestor pode contratar quem ele quiser ou gastar como ele quiser, sem prestar contas de suas decisões. Não, nós temos legislações que regem e orientam todas as nossas ações, e somos cobrados, com toda a razão, a fazer uso responsável e ilibado dos recursos que são destinados à universidade.

Secom – Neste ano a FURG completa 50 anos de atuação em Rio Grande, que depois expandiu para outros municípios também, com os campi e polo. O que temos para comemorar?

Danilo Giroldo – É grande o número de pessoas que foram formadas aqui e que estão desempenhando os seus papéis na sociedade, contribuindo sobremaneira com o desenvolvimento do país. Então, penso que precisamos aproveitar os 50 anos  da nossa universidade para mostrar tudo o que foi feito neste período e dizer o quanto isso é importante para todos, não apenas para a comunidade universitária. Precisamos destacar a interação da FURG com todos os entes da sociedade.A universidade tem que colocar a sua capacidade instalada à disposição de todos esses atores sociais e a FURG faz isso muito bem, sempre fez, desde sua origem e continua fazendo. São 50 anos que devem ser celebrados, independentemente da conjuntura, para que muitos outros ciclos de 50 anos sobrevenham.

Cleuza Sobral Dias – Nós temos muito a comemorar, porque são 50 anos de uma universidade que sempre teve um impacto muito grande no município e em toda a região. A FURG foi pensada pela comunidade que na década de 50 entendeu que a educação superior era importante para o desenvolvimento econômico, social e cultural dessa região. Na educação a distância, por exemplo, acabamos de ser recredenciados com nota cinco [nota máxima] pelo MEC, então temos também excelência na educação a distância, na estrutura e na capacitação dos nossos professores e na qualidade dos nossos cursos e do nosso corpo técnico. Isso é muito importante ao olhar para a universidade neste momento. Comemorar os 50 anos também é resistência, é a defesa de uma universidade pública gratuita e de qualidade e que hoje atende a uma grande parcela da população, que, provavelmente, outra visão de universidade não daria conta. Então celebrar 50 anos também é defender essa universidade na sua história e no que ela contribuiu, e estender isso a todas as universidades federais brasileiras. Celebrar é resistir e, também, defender essa concepção de universidade para todos.

Assessoria de Comunicação Social da FURG

Foto: Fernando Halal/Secom FURG

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