Sorte
Quando se passa a vida toda enjaulado no cotidiano, números, palavras, gestos e olhares, tudo isso complica ainda mais tudo aqui que vemos a volta. Nada mais é preto no branco. Simplicidade é um luxo.
Você sai da sua vidinha. Saco cheio. Cabeça estourando. Só quer apagar, pois o vazio da sua mente insanamente barulhenta é o que te acalma e amanhã tudo recomeça. Bem-vindo de volta à loucura da vida do ser humano comum. O manicômio do cotidiano.
Um dia tudo muda. Seu cotidiano quebra. Olha pela janela e vê em um beco alguém comum, que nem qualquer um que é invisível em uma multidão que se faz invisível. Nota-se a movimentação: é um assalto. E isso é normal. A quebra ocorre ao ver a reviravolta: a vítima que está para ser açoitada, revida. Pega um cano largado ali e simplesmente descarrega sua frustração, seu medo e sua angústia no outrora vilão, que poderia ser alguém ainda mais desesperado.
O choque faz levantar da cadeira, olhando aquela cena há uns bons 4 andares de distância, como se fosse por algo, o agredido, que se torna agressor, olha de volta, como se soubesse que existem apenas os dois: você e ele. Ele sorri, satisfeito, por ter revidado. Não ao assalto, mas sim, a vida e seu jogo sem-graça.
Você sente inveja. Também quer ter chance de revidar, mas logo ignora e segue em um mundinho de nuances. Afinal, todos tem a mesma sorte.
Autor: Carlos F. dos Santos – Inspira
Foto: Pixabay